Projecto de lei do PCP
faz arrancar processo legislativo

Repor freguesias no respeito<br>pela vontade popular

O pro­jecto de lei do PCP que es­ta­be­lece o re­gime para a re­po­sição de fre­gue­sias baixou à co­missão, sexta-feira, 1, sem vo­tação, por 90 dias, acom­pa­nhado por di­plomas sobre a mesma ma­téria en­tre­tanto apre­sen­tados por PS e BE.

As po­pu­la­ções têm a ex­pec­ta­tiva de verem re­postas as suas fre­gue­sias já nas elei­ções de 2017

Por ini­ci­a­tiva da ban­cada co­mu­nista, que assim cumpre um com­pro­misso elei­toral, foi ini­ciado um pro­cesso le­gis­la­tivo que visa, no res­peito pela von­tade das po­pu­la­ções, cor­rigir a de­cisão au­to­ri­tária e an­ti­de­mo­crá­tica do an­te­rior go­verno PSD/​CDS que levou à ex­tinção de mais de mil fre­gue­sias.

Uma me­dida im­posta sob o pre­texto da dí­vida, do dé­fice e das contas pú­blicas mas que em bom rigor foi mo­ti­vada por «um ob­jec­tivo po­lí­tico e ide­o­ló­gico bem mais pro­fundo».

A de­pu­tada co­mu­nista Paula Santos, no ar­ranque do de­bate, iden­ti­ficou-o cla­ra­mente ao su­bli­nhar que a ex­tinção de fre­gue­sias se in­seriu numa «es­tra­tégia mais vasta de sub­versão do Poder Local De­mo­crá­tico», vi­sando o em­po­bre­ci­mento do re­gime de­mo­crá­tico, a par desse outro ob­jec­tivo não con­fes­sado de «ani­quilar uma voz in­có­moda, rei­vin­di­ca­tiva, que traz para a luz do dia inú­meros pro­blemas sen­tidos pelas po­pu­la­ções, que exigem a in­ter­venção do Go­verno».

O em­buste

«As uniões de fre­gue­sias ga­nharam es­cala e man­ti­veram a mesma pro­xi­mi­dade às po­pu­la­ções. Neste sen­tido, houve ro­bus­te­ci­mento do re­gime de­mo­crá­tico», afirmou An­tónio Lima Costa (PSD), se­cun­dado por Álvaro Cas­telo Branco (CDS), que in­vocou o «alar­ga­mento de atri­bui­ções das fre­gue­sias e cor­res­pon­dentes re­cursos» para con­cluir que com isso se «dig­ni­ficou a in­ter­venção das juntas de fre­guesia» e «pro­moveu-se ga­nhos de es­cala».

«Hoje, os eleitos estão mais afas­tados das po­pu­la­ções. Têm mais di­fi­cul­dades em acom­pa­nhar e dar res­posta aos pro­blemas e pre­o­cu­pa­ções das po­pu­la­ções», con­trapôs a de­pu­tada co­mu­nista, des­men­tindo a tese pro­pa­lada por PSD e CDS se­gundo a qual teria ha­vido uma «me­lhoria dos ser­viços pú­blicos de pro­xi­mi­dade» e uma «ra­ci­o­na­li­zação dos gastos». Como des­men­tido foi ao longo do de­bate que ti­vesse ha­vido maior ca­pa­ci­dade para in­tervir, qual­quer re­forço de meios ou maior co­esão ter­ri­to­rial, como pro­me­teram PSD e CDS. «Nada mais falso. Isso não passou de um em­buste», as­se­verou Paula Santos.

Os de­pu­tados co­mu­nistas João Ramos e Carla Cruz de­monstrá-lo-iam tra­zendo a lume exem­plos que atestam como a ex­tinção de fre­gue­sias con­tri­buiu para acen­tuar as­si­me­trias re­gi­o­nais já exis­tentes, so­bre­tudo no in­te­rior, onde as po­pu­la­ções ha­viam sido já du­ra­mente pe­na­li­zadas com o fecho de di­versos ser­viços pú­blicos.

«Muitas fre­gue­sias onde a Junta de Fre­guesia era o úl­timo ves­tígio da pre­sença do Es­tado fi­caram to­tal­mente ao aban­dono», re­alçou a ban­cada do PCP, que lem­brou ainda a efec­tiva re­dução da ca­pa­ci­dade de in­ter­venção junto das po­pu­la­ções. Além do mais porque, longe do pro­me­tido re­forço dos meios, em par­ti­cular fi­nan­ceiros, ao invés, o que houve foi uma re­dução do fi­nan­ci­a­mento das fre­gue­sias, acusou o PCP, as­si­na­lando que o corte do fundo de fi­nan­ci­a­mento das fre­gue­sias é su­pe­rior à in­tro­dução de um por cento do IMI ur­bano de re­ceita para as fre­gue­sias, se­gundo as pró­prias contas da ANAFRE.

Des­mon­tada no de­bate foi também a ale­gação feita por PSD e CDS de que não houve con­tes­tação à ex­tinção de fre­gue­sias. «Não me­receu con­tes­tação nem re­púdio ge­ne­ra­li­zado», disse Álvaro Cas­telo Branco. «Não houve outra coisa», ri­postou An­tónio Fi­lipe, que, de­pois de lem­brar as to­madas de po­sição por todo o País, bem como as ma­ni­fes­ta­ções na­ci­o­nais de au­tarcas de fre­guesia, acusou aqueles par­tidos de neste de­bate serem co­e­rentes numa única coisa: não que­rerem saber da von­tade ma­ni­fes­tada pelas po­pu­la­ções, nem antes nem agora.

Res­peitar as po­pu­la­ções

Par­ti­lhando da visão de que o pro­cesso de ex­tinção de fre­gue­sias «foi re­pleto de erros» e «não res­peitou a au­to­nomia do poder local», se­gundo a de­pu­tada Maria da Luz Ro­sinha, o PS, por seu lado, mos­trou-se dis­po­nível para cor­rigir esses erros e, em co­missão, «en­con­trar po­si­ções e uma es­tra­tégia de ac­tu­ação con­junta para me­lhor servir as po­pu­la­ções».

O que se es­pera agora é que haja uma dis­cussão com as po­pu­la­ções, com a ANAFRE, com os au­tarcas de fre­guesia, no sen­tido de en­con­trar as me­lhores so­lu­ções para a re­forma ter­ri­to­rial das fre­gue­sias. «E não a régua e es­quadro, não de qual­quer ma­neira, mas ou­vindo as pes­soas», foram os votos dos de­pu­tados co­mu­nistas, que dei­xaram con­tudo bem ex­presso o seu de­sa­cordo quanto a qual­quer «im­por­tação de mo­delos, como o ocor­rido em Lisboa, onde pelo facto de «ter ha­vido con­ver­gência entre PS e PSD isso não quer dizer que o pro­cesso foi pa­cí­fico».

Sobre o pro­jecto do BE, que as­senta muito nos re­fe­rendos lo­cais – e não es­tando em causa o facto de serem cons­ti­tu­ci­o­nais e le­gí­timos –, o PCP en­tende que há pontos sobre os quais im­porta re­flectir, de­sig­na­da­mente o facto de o re­fe­rendo só vin­cular o órgão au­tár­quico que o pro­move e nessa me­dida poder de­fraudar-se as po­pu­la­ções.

Em re­sumo, para o PCP, este é um pro­cesso le­gis­la­tivo que tem uma enorme im­por­tância para o poder local – «é um im­pe­ra­tivo de­mo­crá­tico», as­se­verou An­tónio Fi­lipe – e que é feito a pensar fun­da­men­tal­mente nas po­pu­la­ções e nas ex­pec­ta­tivas que estas cri­aram com a mu­dança de ciclo po­lí­tico, o qual, do seu ponto de vista, «não pode ser de­frau­dado».

E por isso este é um pro­cesso para fazer «com tempo, mas sem he­si­ta­ções». Para que, como foi dito, as elei­ções au­tár­quicas de 2017 te­nham lugar já «com a eleição dos au­tarcas das fre­gue­sias que vão ser re­postas, de acordo com aquela que seja a von­tade das po­pu­la­ções».

 

Efeitos ne­fastos

Ex­postas com de­talhe pelos de­pu­tados co­mu­nistas que in­ter­vi­eram no de­bate foram também as con­sequên­cias ne­ga­tivas que ad­vi­eram da eli­mi­nação de fre­gue­sias. «Perdeu-se pro­xi­mi­dade, perdeu-se re­pre­sen­ta­ti­vi­dade po­lí­tica, perdeu-se par­ti­ci­pação po­pular, perdeu-se iden­ti­dade cul­tural, perdeu-se ca­pa­ci­dade rei­vin­di­ca­tiva», su­ma­riou Paula Santos, lem­brando que foram re­du­zidos mais de 20 mil eleitos, sem que daí ti­vesse re­sul­tado qual­quer ganho ou van­tagem.

Con­sequên­cias que só não foram mais graves de­vido ao sen­tido de res­pon­sa­bi­li­dade dos au­tarcas de fre­guesia que tudo fi­zeram para manter as an­tigas sedes abertas, os ser­viços abertos às po­pu­la­ções.

«Ou seja, foi o sen­tido de res­pon­sa­bi­li­dade dos au­tarcas de fre­guesia, de todos os par­tidos, que con­tri­buíram e muito para mi­norar a falta de res­pon­sa­bi­li­dade que os se­nhores ti­veram com esta re­forma le­gis­la­tiva», su­bli­nhou An­tónio Fi­lipe, apon­tando o dedo às ban­cadas do PSD e do CDS.

 
Des­con­certo

As ban­cadas à di­reita do he­mi­ciclo fa­laram em «ga­nhos de es­cala», em «pro­xi­mi­dade às po­pu­la­ções», em «co­esão ter­ri­to­rial e de­sen­vol­vi­mento local». Mas se há cons­ta­tação óbvia que re­sulta da cha­mada «re­or­ga­ni­zação ad­mi­nis­tra­tiva» por si le­vada a cabo e que mais não foi do que a ex­tinção de fre­gue­sias, «contra tudo e contra todos», como ob­servou o de­pu­tado eco­lo­gista José Luís Fer­reira, é que este pro­cesso não teve em conta as es­pe­ci­fi­ci­dades de cada ter­ri­tório.

Tes­te­munho disso é a exis­tência de fre­gue­sias com enormes áreas, como é por exemplo o caso de uma fre­guesia em Al­cácer do Sal cuja área é su­pe­rior à da ilha da Ma­deira. Ou, exem­pli­ficou Paula Santos, de fre­gue­sias em que o nú­mero de ha­bi­tantes é su­pe­rior ao da mai­oria dos mu­ni­cí­pios, como é a fre­guesia de Al­gueirão-Mem Mar­tins (mais de 66 mil ha­bi­tantes), ou as de Cas­cais e Es­toril, com mais de 61 mil ha­bi­tantes. Ao todo, es­cla­receu, são 113 as fre­gue­sias com mais de 20 mil ha­bi­tantes.

 

Ig­no­mínia

Um as­pecto a reter deste de­bate foi a forma pouco séria como o mesmo foi tra­tado por PSD e CDS. «Foi ao nível da trica», cri­ticou An­tónio Fi­lipe, re­jei­tando as acu­sa­ções da­queles par­tidos sobre o ale­gado «ma­no­brismo» do PCP e das «pseudo-van­ta­gens» que este pre­ten­deria re­tirar do agen­da­mento po­tes­ta­tivo para «ga­nhar apoios para pró­ximas elei­ções au­tár­quicas», nas pa­la­vras de Emília Santos (PSD). Bem no­tada foi a forma como re­du­ziram a questão a um pro­blema de lu­gares, in­si­nu­ando na prá­tica – num ver­da­deiro in­sulto – que os au­tarcas de fre­gue­sias são quase uma es­pécie de «ta­chistas». A ver­dade é que, com ma­ni­festo re­go­zijo, em vá­rios mo­mentos a ban­cada do PSD enal­teceu a «re­dução do nú­mero de cargos po­lí­ticos nas fre­gue­sias» e o que chamou de «cargos po­lí­ticos en­ca­po­tados nas em­presas mu­ni­ci­pais e nos ga­bi­netes de apoio nos mu­ni­cí­pios».

Ob­ser­vável no de­bate foi ainda o facto de as ban­cadas da di­reita não terem tido uma pa­lavra para de­fender em con­creto a bon­dade da pseudo-re­forma de que foram au­tores. O que não es­capou a An­tónio Fi­lipe que anotou a cir­cuns­tância de o PSD e o CDS, de­pois de se terem es­cu­dado na troika e na im­po­sição que esta teria feito de ex­tin­guir fre­gue­sias, con­fi­narem agora a questão a um pro­blema de re­dução de cargos po­lí­ticos.

 

As pro­postas do PCP

O res­peito pela von­tade das po­pu­la­ções e pelas po­si­ções as­su­midas pelos ór­gãos au­tár­quicos cons­titui a pedra de toque que per­passa o pro­jecto de lei do PCP, no qual não se es­quece ainda que é à As­sem­bleia da Re­pú­blica que com­pete de­cidir sobre a cri­ação de fre­gue­sias.

É em obe­di­ência a esses prin­cí­pios que a ban­cada co­mu­nista propõe no seu di­ploma a re­po­sição das fre­gue­sias onde os ór­gãos au­tár­quicos te­nham to­mado po­sição contra a sua ex­tinção. Pro­posto é também um pro­ce­di­mento para que os ór­gãos au­tár­quicos que o de­sejem possam al­terar a sua po­sição por in­ter­médio dos seus ór­gãos de­li­be­ra­tivos. Pro­posta é ainda a re­pris­ti­nação da lei n.º 8/​93, de 5 de Março, que es­ta­be­lece os cri­té­rios para a cri­ação de fre­gue­sias.

Como lem­brou a de­pu­tada Paula Santos, foi a pró­pria As­so­ci­ação Na­ci­onal dos Mu­ni­cí­pios Por­tu­gueses que, no Pa­recer que di­rigiu à AR a pro­pó­sito do pro­jecto de lei do PCP, con­si­derou «como ade­quados os ob­jec­tivos e pro­ce­di­mentos» nele pre­sentes, «uma vez que se co­mete às po­pu­la­ções, através da pro­núncia dos ór­gãos de­li­be­ra­tivos au­tár­quicos, a pos­si­bi­li­dade de pro­porem as so­lu­ções mais ade­quadas para os seus ter­ri­tó­rios em termos de or­ga­ni­zação ter­ri­to­rial das fre­gue­sias».

 



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